POEMAS
1.º ciclo
Num país que visitei
Num país que visiteivi lá coisas de espantar:
cães a cantar de galo
galos que sabiam falar
galinhas a tocar viola
gatos que vestiam calções;
e as vacas davam chocolate
com amêndoas e pinhões.
As casas eram diferentes
com telhados especiais:
eram torrões de açúcar
do tamanho de jornais.
Nas ruas havia cobras
que as pessoas adoravam
os leões eram medrosos
e as minhocas dançavam.
Nas árvores crescia a massa
e também o macarrão
os carros não tinham rodas
e nunca poisavam no chão.
Nesse país que visitei
as pessoas eram engraçadas
usavam sapatos nas mãos
e nunca estavam cansadas.
António Mota
2.º ciclo
O CAÇADOR DE BORBOLETAS
Ele sai de casa com sua rede.Vai caçar borboletas, mas fica preso
à frescura do rio que lhe mata a sede
ou ao encanto das flores do prado.
Vê tanta beleza à sua volta
que esquece a rede em qualquer lado
e antes de caçar já foi caçado.
À noite regressa à casa cansado
e estranhamente feliz
porque sua caixa está vazia,
mas diz sempre, suspirando:
Que grande caçada, que belo dia!
Antes de entrar limpa as botas
num tapete de compridos pelos
e sacode, distraído,
as muitas borboletas de mil cores
que lhe pousaram nos ombros, nos cabelos
Sorridente, ao nascer do dia,
Álvaro Magalhães
3.º ciclo
AS PALAVRAS
As palavras
são boas.
As palavras
são más.
As palavras
ofendem.
As palavras
pedem desculpa.
As palavras
queimam.
As palavras
acariciam.
As palavras
são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas.
As palavras
estão ausentes.
Algumas
palavras nos absorvem, não nos deixam: são como garras, vêm nos livros, nos
jornais, nas mensagens publicitárias, nos rótulos dos filmes, nas cartas e nos
cartazes.
As palavras
aconselham, sugerem, insinuam, intimidam, impõem, segregam, eliminam. São
melífluas ou ácidas.
O mundo
gira sobre palavras lubrificadas com azeite de paciência.
Os cérebros
estão cheios de palavras que vivem em paz e em harmonia com suas contrárias e
inimigos.
Por isso as
pessoas fazem o contrário do que pensam, crendo pensar o que fazem.
Há muitas palavras.
José Saramago
Secundário
A MINHA DOR
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro!
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
Florbela Espanca